sábado, 11 de julho de 2009

Do inferno ao céu

Ao amanhecer e receber a visita do sol no quarto do hospital, a cada batimento errante do meu coração, penso em como poderia ter sido a minha vida se algumas vezes tivesse escutado a “Santa Prudência”, que tantas vezes me pediu para que a visitasse, e eu com os "ouvidos tão cegos" nunca lhe retribui, nem com uma desculpa mal contada. Agora estou aqui, acompanhado pelos meus calafrios homeopáticos, que não me deixam esquecer nem de mim mesmo. Sempre tive medo de sentir estranha tranquilidade e monotonia na face dos que me rodeavam, sempre quis causar furor na cara dos desavisados, por isso, nunca dei muita trela para os bons pensamentos. Tratei-os com bastante desdém. Desde menino, papai, homem de larga visão, dizia: ‘Menino traquino! Tu ainda vais apanhar da vida, se eu mesmo não tratar de te dar um corretivo’. E eu com a minha teimosia e inquietude continuava a peraltear. Era um daqueles meninos que parecia ter o capeta no corpo; não agüentava ver uma saia para logo levantar ou ver um pássaro para badogar. Já ia logo dizendo sem rodeios o que queria ser. Todos os meus colegas na escola citavam personalidades que referenciavam bons adjetivos para a sociedade, uns diziam que queriam ser médicos, outros bombeiros, e eu, sem me importar com todo aqueles sentimentalismos, falava em ser bandido, mas não desses meros ladrões de galinha ou de bolacha recheada de qualquer mercadinho de esquina... Almejava algo gigante! Como assaltar os cofres dos grandes bancos! Imaginava-me em um daqueles filmes da sessão da tarde em que minha mãe para me tapear, enquanto saia com o amante, me deixava assistindo. Enfim, acho que já os deixei um pouco inteirados sobre a trajetória da minha infância . Agora vamos para a ação. Como já disse, não queria ser nenhum bandido pé de chinelo, então, antes de iniciar, procurei assistir todos os bons filmes, ler todas as boas literaturas que tratassem do assunto e me especializar no manuseio de todas as armas de fogo que pudesse; queria ser um bandido entendido do assunto, afinal era a minha carreira que estava em jogo. Depois de ter me preparado. Estava na hora de procurar alguns elementos, que eu pudesse comandar e serem bons comandados, pois sempre se tem o cabeça mor de qualquer quadrilha de bons assaltantes, e é claro que esse seria eu. Então, realmente comecei a por em prática tudo aquilo que havia planejado. Era fascinante ver meu pensamento agindo, pulando da minha cabeça brilhante. Mas minha satisfação não era ferir ninguém, tinha prazer mesmo em sentir o pavor das vítimas, até o último grau de desespero, depois libertá-las para o seu mundinho entediante. Parecia que tinha nascido para aquilo. Muita bebida, charutos e mulheres a custa de otários que se apegam ao dinheiro como se este fosse o seu primeiro amor; era o mundo aos meus pés! Trabalhando em prol da minha agonia em vê-los ajoelhar aos pés da miséria. Até que um dia quando tudo parecia ir bem... Em um dos assaltos mais felizes da minha vida, pois estava assaltando um dos bancos mais bem seguros do país, quando terminando de amarrar as mãos de um dos reféns... Apareceu a polícia apontando todas as armas pra mim. E a minha primeira reação foi olhar ao meu redor e buscar um dos amedrontados para servir de escudo junto a mim, e a primeira pessoa em que vi foi uma mulher de cabelos dourados, e os olhos de céu ensolarado, que leve como uma flor caiu em meus braços sem reagir. E um dos policiais, em mais uma das célebres frases feitas do mundo do crime, falou: “Solta a moça ou atiro!”. Enquanto isso... No intervalo de tempo até a minha reação senti algo, que até aquele instante nunca tinha sentido, ao segurar e sentir o medo daquela moça, que desesperada em estar em meus braços, chorava... Pela primeira vez senti medo com o medo de alguém. Por isso... Jurei que se escapasse daquela, nunca mais iria fazer alguém ter medo de mim. Mas era tarde demais... O policial atirou... Um ano depois...
- Senhor Paulo, o senhor está bem? - Era uma visão familiar, pensei em algum momento estar no paraíso, mas já havia aprontado demais na vida para merecer aquilo. E foi aí que me deleitei a ouvir aquela voz macia destoando no ar... - O senhor passou algum tempo desacordado, foi trazido aqui por alguns homens que não se identificaram e o deixaram aqui. E então perguntei:
- Qual é o seu nome?
- Me chamo Céu, sou enfermeira aqui neste hospital, e estive cuidando do senhor, enquanto estava desacordado, foi atingido por uma bala que o deixou assim. Vi que era a chance de poder tentar recomeçar algo. E o resto vocês já podem prever, pois não é minha intenção contar nenhum romance.